O dinheiro da TV / por Marcos Caetano

Um assunto que todo mundo que acompanha o futebol europeu conhece muito bem é a polêmica da concentração de renda entre os integrantes do chamado G-14, agremiação que reúne as equipes mais poderosas da UEFA. Como o seu primo pobre do Brasil, o Clube dos 13, o G-14 também acabou ampliando seu número de associados para além dos 14 membros originais. Hoje eles são 18. E raros são os títulos nacionais ou europeus que não acabam nas mãos de um desses primos ricos.

Clubes ricos, que ficam cada vez mais ricos, enquanto agremiações outrora poderosas, como o bicampeão da Champions League, Nottingham Forest, disputa hoje a segunda divisão inglesa e parece condenado ao ostracismo. O presidente da UEFA, Michel Platini, empreendeu uma cruzada para salvar os clubes menores - e isso queria dizer menos dinheiro e poder para os integrantes do G-14. "É guerra!" - reagiu o porta-voz do G-14, ao tomar conhecimento da intenção da UEFA de mudar o formato de disputa da segunda fase da Champions, com o objetivo de destinar menos recursos aos clubes ricos. O formato, imaginado por Platini, previa que os times que disputam a Champions fizessem menos quatro partidas, o que representaria muito dinheiro, tendo em conta os estratosféricos preços dos direitos de transmissão. Desde então, o assunto vem causando enorme atrito entre os membros do G-14 e as redes de televisão européias.

Platini quer que os clubes menores recebam mais dinheiro, os canais de TV querem pagar menos aos grandes, os menores pressionam por maior participação nos direitos de transmissão e exposição internacional, o G-14 quer que as seleções paguem aos clubes quando convocam seus jogadores - e tudo isso junto pode fazer explodir uma grande crise. O porta-voz do G-14 chegou até a insinuar que seus 18 associados poderiam ensaiar um movimento em direção a uma competição independente. A história soa familiar?

Pois é. No Brasil, a situação é bem parecida. O dinheiro da TV, que em grande escala representa a salvação dos clubes, é ao mesmo tempo a raiz da discórdia. Por causa dele, os times, o Clube dos 13, a CBF e os canais de televisão se meteram em uma barafunda cujo desfecho não me atrevo a prever. Só sei é que podemos ter uma liga de clubes tentando organizar um campeonato independente, duas entidades representando os clubes que racharam o Clube dos 13, um campeonato nacional transmitido por vários canais de TV (ou por nenhum), clubes em luta com a CBF e "o diabo aquático", como diz o outro.

Já que a crise está instalada, deveríamos aproveitá-la para debater que modelo de distribuição de renda queremos adotar: o do futebol europeu ou o dos esportes norte-americanos. No futebol europeu, como comentei, a concentração de renda é cada vez maior, em que pesem as iniciativas da UEFA. Já nos Estados Unidos, centro do capitalismo, o regime é curiosamente socialista. Na NBA, por exemplo, se um clube vende uma camiseta, o valor é repartido igualmente entre todos os clubes da liga. Os times que ficam nas últimas colocações do campeonato têm prioridade para contratar os melhores jogadores universitários, enquanto os clubes mais ricos esbarram em um teto de gastos para que não possam montar um time invencível. Ah, e não há rebaixamento.

Tudo isso faz com que haja um razoável equilíbrio de forças ao longo do tempo, de forma que o poderoso Chicago Bulls de Michael Jordan seja hoje uma força intermediária, enquanto o Boston Celtics, que na época de Jordan andava apagado, voltou a ser grande. Essa é a razão de vermos equipes de cidades pequenas - como o Milwaukee Bucks no basquete, o Green Bay Packers no futebol americano, o Baltimore Orioles no beisebol e o Edmonton Oilers no hóquei - com vários títulos nacionais em suas estantes.

Historicamente, o futebol brasileiro é caracterizado pelo equilíbrio de forças, com vários times lutando pelos títulos. O racha no Clube dos 13 e a eventualidade de um modelo que promova a concentração de renda nas mãos dos maiores clubes pode mudar isso para sempre.

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